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A crise política que atinge o governo Lula, com as recentes denúncias de corrupção, põe em xeque os ideais de 25 anos de história do PT. O partido, gerado no berço do sindicalismo paulista, pensado por intelectuais, estudantes e personalidades ligadas à esquerda, amarga uma crise política e moral jamais imaginada pelos seus fundadores. "Do PT que eu ajudei a construir só sobrou o registro", diz a senadora Heloísa Helena, expulsa do partido em 2003.

Leia abaixo o texto

“O PT, fundado para ser o partido da mudança, tornou-se um partido de ordem”, diz o cientista político Demétrio Magnoli. Na opinião dele, o início da “morte do PT” dos anos 80 decorreu, numa primeira escala, da aliança PT-PL para as eleições de 2002. “A campanha presidencial de Lula desconstruiu politicamente o PT”, disse Magnoli. "O partido se aliou ao capital (representado pelo empresário José de Alencar), com José Sarney, Orestes Quércia e Itamar Franco, mostrando-se apto para governar com as elites políticas tradicionais”, ressalta.

 

Para chegar ao poder, o PT tornou light o plano de governo e, para governar, aliou-se a partidos e políticos tão distintos do seu espectro quanto o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), ex-integrante da tropa de choque de Fernando Collor, e partidos como o PP de Paulo Maluf e o PL. "Pela lógica do governo, um equívoco grave que foi cometido pela cúpula do governo e do PT foi avalizar alianças com partidos fisiológicos”, diz o deputado Ivan Valente, do PT paulista, e da esquerda do partido. "Estou triste porque um sonho de mudança está sendo duramente atacado, podendo comprometer o futuro do país”, ressalta.

 

Para o sociólogo Francisco de Oliveira, que deixou o PT em 2003, o partido age agora num campo de "centro". "Junto com aquele que escolheu como irmão, o PSDB. E o pior é que não sabe disso. Acha que está reformando o país”, diz. Segundo ele, a atual direção levou o partido ao poder, mas sem um projeto de nação ou uma alternativa às políticas econômicas e sociais do antigo governo. “A bisonhice dessa turma é tremenda. Nunca tiveram um plano original", afirma.

 

Segundo Magnoli, o PT foi obrigado a caminhar cada vez mais para o centro e hoje, de legítimo representante da esquerda, ocupa um lugar análogo ao do PSDB no cenário político. “Nada sobrou do partido original, exceto o nome, os símbolos e a memória histórica”.

 

Outra ex-petista de carteirinha, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) diz estar decepcionada com a ação da atual direção do PT, responsável, aliás, por sua saída do partido, mas nega uma possível desilusão com o partido. “Não posso me decepcionar com algo que acredito. O que me decepciona é a parte do partido que o comanda desde sua fundação”, afirma, ao lembrar de sua gestão à frente da prefeitura de São Paulo: “muitas vezes, era mais difícil governar com o PT do que com a oposição”.

 

Há, entre os desencantados com os rumos do governo do PT, quem resista a se dizer decepcionado. “Há elementos de angústia, preocupação. Pitadas de desencanto", afirma o deputado Chico Alencar (PT-RJ). No entanto, ele admite que o governo Lula, por ter uma política conservadora e continuísta do ponto de vista macroeconômico, “desmobilizou as bases sociais de mudança, que tinha expectativas de avanços significativos”.

 

Para o senador Cristóvam Buarque, ex-ministro da Educação, demitido por telefone enquanto cumpria uma viagem a Portugal, um partido não morre do dia para noite. "Enquanto os 800 mil militantes tiverem esperança, o partido sobreviverá", afirmou. E qual é o limite da esperança? "As próximas semanas dirão. Estamos todos com o coração apertado", disse.

 

Hora oportuna

 

Um dos principais críticos do PT no Senado, Paulo Paim, do PT gaúcho, fala com um certo desânimo do envolvimento petista em denúncias de corrupção. "Foi um sonho acalentado, foi embalado durante, no mínimo, duas décadas. Nós estamos perplexos, não querendo acreditar", diz.

 

Para ele, o governo não tem a dimensão do que foi a candidatura do presidente Lula. “Foi o que fez com que estivéssemos hoje numa situação triste”. Perguntado se pensa em aderir a outro partido, Paim suspirou: "vou responder no tempo oportuno".

 

Agora, os desiludidos do PT, que sempre foram tratados como marido traído a zombar do sucesso da ex-amada, ganham espaço com suas críticas retomadas. “Para nós, a eleição do Lula foi a vitória da derrota”, diz Plínio de Arruda Sampaio Jr, professor da Unicamp e ex-assessor econômico de Lula, hoje fora do PT.

 

"Apesar do ressentimento, eu não comemoro. Dei os melhores anos da minha vida ao PT. Hoje me sinto traída", diz Heloísa Helena. "O PT jogou no lixo tudo o que foi pensado pela esquerda democrática nesse País para legitimar a verborragia neoliberal". “Acho que a paixão da militância e o sonho de ver um retirante nordestino presidente nos cegou”, diz Heloisa.

 

Esses ex-apaixonados pelo partido gostariam de ver o “PT da ordem” substituído pelo “PT da mudança” no governo, mas não guardam ilusão de que o partido poderá voltar às antigas propostas. “Não conheço na história ocidental algum partido que tenha entrado em declínio e se recuperado”, afirma Francisco de Oliveira.

 

Plínio de Arruda Sampaio Jr diz que começou a perceber que o PT se tornaria um partido da "ordem" em 1992. “Encontrei-me com Lula em Paris. Eram os tempos de manifestação contra o Collor e o Lula estava engajado nisso tudo. Foi quando ele me disse que havia se encontrado com o “companheiro” Quércia”, disse Plínio ao lembrar a impressão que teve do episódio: “cheguei em casa e disse para minha mulher: não sei, mas os olhos do Lula já não brilham como antes”.

João Alberto Camara
CAEnf 12 de maio - CEST

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