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sexta-feira, outubro 13, 2006

[espacosaude-ma] Sobre grupos

ANEXO 02
O QUE É UM GRUPO?
Madalena Freire

(25-0-05)

Segundo Pichon-Rivière pode-se falar em grupo, quando um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes, se reúnem em torno de uma tarefa específica.

Num cumprimento de desenvolvimento das tarefas, deixam de ser um amontoado de indivíduos, para cada um assumir-se enquanto participante de um grupo com objetivo mútuo.

Isto significa também que cada participante exercitou sua fala, sua opinião, seu silêncio, defendendo seus pontos de vista. Portanto, descobrindo que, mesmo tendo um objetivo mútuo, cada participante é diferente.Tem sua identidade - cada indivíduo vai introjetando o outro dentro de si. Isto significa que cada pessoa, quando longe da presença do outro, pode “chamá-lo” em pensamento, a cada um deles e a todos em conjunto. Este fato assinala o início da construção em grupo enquanto comportamento de indivíduos diferenciados. O que Pichon-Rivière denomina de “grupo interno”.

O indivíduo é um ser “geneticamente social”
Wallon

A identidade do sujeito é um produto das relações com os outros. Neste sentido, todo indivíduo está povoado de outros grupos internos da sua história.

Assim como também povoado que o acompanham na sua solidão, em momentos de dúvidas e conflito, dor e prazer. Desta forma estamos sempre acompanhados por um grupo de pessoas que vivem conosco permanentemente.

Em termos gerais, a influência deste grupo interno permanece inconsciente. Algumas vezes só no esquecimento (pré-consciente) e não damos conta que estamos repetindo, reproduzindo estilos, papéis, que têm que vir com vínculos arcaicos, onde outros personagens jogam por nós.

Todos esses integrantes do nosso mundo interno estão presentes na hora
de qualquer ação, na realização de uma tarefa. Por isso, nosso individual nada mais é que um reflexo; onde a imagem de um espelho que nos devolvem é a de um “eu” que aparenta unicidade, mas que está composto por inumeráveis marcas das falas, presenças de modelo dos outros.


Tipos de grupos

Há dois tipos de grupos: primário e secundário.

A família é um grupo primário. Secundários são os grupos de trabalho, estudo, instituições, etc. Em todos eles encontramos um lugar, um papel, uma forma de estar, que por sua vez, constitui nossa maneira de ser. Nesse espaço desempenhamos nosso papel, segundo nossa história e as marcas que trazemos conosco.

Durante nossa infância, em nosso grupo primário tivemos um espaço que ocupamos como o único papel possível. Se examinarmos nosso grupo familiar, observaremos como cada irmão tem seu papel dentro do grupo, e como nós também desempenhamos o nosso. Há o que sempre agüenta as situações difíceis, outro que deixa levar pelas situações emocionais, outro que ajuda a conter o ódio, outro que faz a mediação, outro que está sempre em divergência, outro que prefere fazer que está ausente, que não lhe diz respeito, outro que assume o denunciar permanentemente. Estes papéis se mantêm ao longo da vida. Quando não suficientemente pensados, elaborados conscientemente, educados, cristalizam-se, assumindo uma forma estereotipada, onde a repetição mecânica do mesmo papel acontece.


Como se forma a estrutura?

Segundo Pichon-Rivière, a estrutura dos grupos se compõe pela dinâmica dos 3D. O depositado, o depositário e o depositante.

O depositado é algo que o grupo, ou o indivíduo, não pode assumir no seu conjunto e o coloca em alguém, que por suas características permite e aceita.

Estes, que recebem nossos depósitos, são nossos depositários, nós que nos desembaraçamos destes conteúdos, colocando-os para fora de nós, somos os depositantes.

Podemos observar em qualquer grupo (secundário) de adultos como se distribuem esses papéis e tarefas implícitas. Há os que se encarregam sempre de romper esses silêncios embaraçosos, os que com uma piada ou uma saída criativa desfazem uma tensão, os que sempre estão contra ou se fazem de “advogado do diabo”, os que se encarregam de carregar a culpa e, mesmo reclamando, aceitam o depósito de “bode expiatório”, os que chegam sistematicamente atrasados, os que interrompem para sair, os que sempre discordam de algo, nunca estão de acordo, ou aqueles a quem tudo lhes parece ótimo e se encarregam das tarefas de que os demais se omitem.

Este movimento de depósito começa na família, com o projeto inconsciente dos pais. Estes marcam um lugar para cada um de seus filhos, segundo as necessidades que imaginariamente o grupo primário pretende preencher com aquele que chega. Deste modo, o filho ou filha já ocupará um lugar pré-estabelecido e adquirirá um papel determinado. Entre os diversos papéis, são divididos aspectos ansiogênicos e dos quais a família não pode assumir em conjunto. Depositando-os, assim, num de seus membros, o controle da situação é facilitado.

A debilidade familiar (os medos, as doenças, a agressividade) é projetada (depositada) num de seus membros, que assume “o doente, o frágil” a quem se cuida, se vigia de perto. Desta maneira, a família controla sua ansiedade. Diante desse “membro doente” os demais se sentirão forçosamente fortes e sadios.

Um exemplo bem característico é no que se refere à agressividade. Um membro do grupo familiar “torna-se” agressivo, ou seja, dando-lhe (e ele também aceitando), esse lugar da violência, daquele que sempre irrita primeiro, daquele que se incomoda com tudo. Deste modo, o grupo vai depositando nele sua agressividade. A partir daí, identifica-se inconscientemente com ele nessa emoção de raiva e passa-a crer-se livre dela, colocando-se, ao contrário na posição de não-violento. Aquele que recebeu tal depósito, passa a ser o “brigão”, o “reclamão” da família, e os outros assumem o status de quem, generosamente, o suporta.

Através do mecanismo de projeção nos livramos de aspectos nossos que nos desagradam, pois não admitimos que também fazem parte de nós. Se estou com medo, em lugar de admitir, reconhecer MEU medo, digo: “Tu estás com medo” ou “Tua proposta é aterrorizante”. Caso esta afirmação coincida (encontre) um sujeito a quem sempre lhe é dado esse papel (atemorizante), nosso mecanismo projetivo se verá inteiramente satisfeito. O depositário recebeu e se encarregará de “viver” meu medo. Meu medo não estará mais no meu interior, e será produto, culpa daquele que me atemoriza. Poderei distanciar-me do meu medo, na medida em que me separe dessa pessoa que se encarregou deste papel “atemorizante”.


Os componentes do grupo

São cinco os papéis que constituem um grupo, segundo a denominação de Pichon-Rivière:

Líder de mudança
Bode expiatório
Porta-voz
Líder de resistência
Representantes do silêncio


O líder de mudança é aquele que se encarrega de levar adiante as tarefas, enfrentando conflitos, buscando soluções, arriscando-se sempre diante do novo. O contrário dele é o líder de resistência, não pode existir um sem o outro.Os dois são necessários para o equilíbrio do grupo. Esta é a visão de uma relação democrática, pois na relação autoritária e na espontaneísta os encaminhamentos poderão ser outros. Para cada maior acelerada do líder de mudança, maior freio, brecada, do líder de resistência. Isto porque, muitas vezes, o líder de mudança radicaliza suas percepções, encaminhamentos, na direção dos ideais do grupo, descuidando do princípio de realidade. Neste momento o líder de resistência traz para o grupo uma excessiva crítica (princípio de realidade exacerbado), provocando uma desidealização (desilusionamento), produzindo assim um contrapeso às propostas do outro.

O bode expiatório é quem assume as culpas do grupo. Serve-se de depositário a esses conteúdos, livrando o grupo do que lhe provoca mal-estar, medo, ansiedade, etc.

Os silenciosos são aqueles que assumem as dificuldades dos demais para estabelecer comunicação, fazendo com que o resto do grupo se sinta obrigado a falar. Num grupo falante, se “queima” quem menos pode sobreviver ao silêncio. Aqueles que calam representam essa parte nossa que desejaria calar, mas não pode.

Em algumas situações, os silenciosos suscitam críticas por partes de elementos do grupo porque estes se permitem o ocultamento. Ocultamento que poderá ser aparente, pois o uso da palavra pode, também, ocultar um enorme silêncio... Em outras situações, este ocultamento é real, onde o produto é a omissão.

No trabalho da coordenação, sua facilidade ou dificuldade em coordenar os silenciosos dependerá do seu grau de escuta do silêncio do outro e do seu próprio...

É necessário um exercício apurado de observação e leitura sobre o que os silenciosos falam... para poder possibilitar, assim, a ruptura do papel de “ocultamento” de omissão. A coordenação deverá estar atenta para não permitir uma relação hostil que obriga os silenciosos a falarem, pois deste modo, não estará respeitando sua “fala”; mas também não cair na armadilha da marginalização: “eles nunca falam mesmo”... o que favorece a omissão.

O porta-voz é quem se responsabiliza em ser a “chaminé” por onde emergem as ansiedades do grupo. Através da sensibilidade apurada do porta-voz, ele consegue expressar, verbalizar, dar forma aos sentimentos, conflitos que muitas vezes estão latentes no discurso do grupo. O porta-voz é como uma antena que capta de longe o que está por vir.

Em muitas situações, o porta-voz pode coincidir com uma das expressões de lideranças. Para detectar se realmente está desenvolvendo o papel de porta-voz do grupo, é necessário observar como o conteúdo expressado chega, que ressonâncias provoca no grupo. Caso não provoque nenhuma sintonia com o grupo, não será uma intervenção emergente do grupo (movimento de horizontalidade) mas sim, um produto de sua história pessoal (movimento de verticalidade).

No trabalho da coordenação, perceber, diagnosticar essa situação, faz parte de um longo aprendizado. Para isso, a coordenação terá, num primeiro movimento da construção do grupo, um trabalho de observação minuciosa para diagnosticar:
(1) – Os papéis, e
(2) – os conteúdos das projeções que estão sendo transferidas para (A) – grupo, (B) – seus participantes e (C) – a coordenação.
Esta projeção maciça do primeiro movimento, só será superada caso a coordenação possibilite:
· a limpeza dessas projeções;
· a mobilidade transferencial (a) – com a coordenação e (b) entre iguais;
· evitar a estereotipia dos papéis, romper os papéis, cristalizados; “rodar” os papéis.


Grupo é...

Esta trama grupal onde se joga com papéis precisos, às vezes estereótipos, outras inabaláveis, não é um amontoado de indivíduos.

Mais complexo que isso.

Grupo é um resultado da dialética entre a história do grupo (movimento horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, suas projeções e transferências (movimento vertical) no suceder da história da sociedade em que estão inseridos.


Grupo é... grupo

A cada encontro: imprevisível.
A cada interrupção da rotina: algo inusitado.
A cada elemento novo: surpresas.
A cada elemento já parecidamente conhecido: aspectos desconhecidos.
A cada encontro: um novo desafio, mesmo que supostamente já vivido.
A cada tempo: novo parto novo, compromisso fazendo história.
A cada conflito: rompimento do estabelecido para a construção da mudança.
A cada emoção: faceta insuspeitável.
A cada encontro: descobrimentos de terras ainda não desbravadas.

Grupo é grupo.


A construção do grupo


Um grupo se constrói através da constância da presença de seus elementos, na constância da rotina e de suas atividades.

Um grupo se constrói na organização sistematizada de encaminhamentos, intervenções por parte do educador, para a sistematização do conteúdo em estudo.

Um grupo se constrói no espaço heterogêneo das diferenças entre cada participante: da timidez de um, do afobamento do outro; da serenidade de um, da explosão do outro; da seriedade desconfiada de um, da ousadia do risco do outro; da mudez de um , da tagarelice de outro; do riso fechado de um, gargalhada debochada do outro; dos olhos miúdos de um, dos olhos esbugalhados do outro; de lividez de um, do encarnado do rosto do outro.

Um grupo se constrói enfrentando o medo que o diferente, o novo provoca, educando o risco de ousar.

Um grupo se constrói não na água estagnada do abafamento das explosões, dos conflitos, no medo em causar rupturas.

Um grupo se constrói, construindo o vínculo com a autoridade entre iguais.

Um grupo se constrói na cumplicidade do riso, da raiva, do choro, do medo, do ódio, da felicidade e do prazer.

A vida de um grupo tem vários sabores... No processo de construção de um grupo, o educador conta com vários instrumentos que favorecem a interação entre seus elementos e a construção do círculo com ele.

A comida é um deles.

É comendo junto que os afetos são simbolizados, expressos, representados, socializados.

Pois comer junto, também é uma forma de conhecer o outro e a si próprio.

A comida é uma atividade altamente socializadora num grupo, porque permite a vivência de um ritual de ofertas. Exercício de generosidade. Espaço onde cada um recebe e oferece ao outro o seu gosto, seu cheiro, sua textura, seu sabor.

Momentos de cuidados, atenção.

O embelezamento da travessa em que vai o ao, a “forma de coração” do bolo, a renda bordada no prato... Frio ou quente?

Que perfume falará de minhas emoções? Doce ou salgado?

Todos esses aspectos compõem o ritual do comer junto, que é um dos ingredientes facilitadores da construção do grupo.

Um grupo se constrói com ação exigente, rigorosa do educador. Jamais com a cumplicidade autocomplacente, com o descompromisso do educando.

Um grupo se constrói no trabalho árduo de reflexão de cada participante e do educador.

No exercício disciplinado de instrumentos metodológicos, educa-se o prazer de se estar vivendo, conhecendo, sonhando, brigando, gostando, comendo, bebendo, imaginando, criando; e aprendendo juntos, num grupo.


“Que diabo tem esse grupo?”


- Que diabo tem esse grupo que dá tanto medo e ansiedade?
- Que diabo tem esse grupo que o risco de ser eu mesmo me amedronta tanto?
- Que diabo tem esse grupo onde o “não sei” é o início para o aprender?
- Que diabo tem esse grupo que me deixa desvairada à procura do significado de tudo?
- Que diabo tem esse grupo, onde minhas hipóteses “corretas” são desestabilizadas, me fazendo duvidar de tudo?
- Mas que diabo de grupo é esse, onde me criticam?
- Mas que diabo de grupo é esse que me faz sentir ás vezes tão incompetente?
- Que diabo tem esse grupo que não me “dá colo” quando choramingo, na minha indisciplina...
- Mas que diabo de grupo é esse?

Esse, é o diabo do grupo
que pergunta
que dúvida
que diz não sei

onde: errar é aprender.
que ri, que briga,
que teve medo, limites, fraquezas, que tem coragem
que chora, que come e vive junto.
onde muitas vezes construindo sua competência é invadido por forte sentimento de incompetência.
que corre riscos para conhecer o outro e a si mesmo.
que corre riscos NEGANDO A OMISSÃO autoritária e aprende a assumir o que pensa, o que diz, o que faz.
que busca a construção permanente da disciplina intelectual educando a imaginação, o sonho, no dia-a-dia junto com os outros, a paixão de conhecer, aprende, ensinar e educar.


Vida de grupo

1. Vida de grupo tem:
- Alegria, riso aberto, contentamento, folia, concentração.
- Medo, dor, choro, conflito, perdição, desequilíbrio, hipótese falsa, pânico.
- Entendimento, diferenças, desentendimento, briga, busca, conforto.
- Silêncios, fala escondida, berro, fala oca, fria, fala mansa.
- Generosidade, escuta, olhar atento, pedido de colo.
- Ódio, decepção, raiva, recusa, desilusão.
- Amor, bem querer, gratidão, afago, gesto amigo de oferta.

2. Vida de grupo tem vários sabore
s
- Quente, frio, no ponto.
- Doce? melado? cheiro de hortelã?
- Castanha, chocolate, perfume de canela.
- Salgado? Gelado, cheiro de maçã?
- Palmito, frango, damasco.
- Perfumes vindo da janela, lembrando o cheiro da vida vivida, gosto de hortelã.

3. Vida de grupo dá muita ansiedade,

quando não recebo o produto do conhecimento mastigado, pronto, pelo educador.

Ele faz mediações com o objeto a conhecer, e se eu,saindo com meu reboliço, meu furacão interno (uterino?), minhas frustrações, ansiedades, POSSO CONSTRUIR, no meu silêncio-fala interna, minha sistematização. Depois, novamente voltando ao grupo, posso checa-lo, provocando um aprofundamento da mesma, ou não...

4. Vida em grupo dá muita frustração
Porque, enquanto educando, tenho de romper com meu acomodamento quieto, autoritário... esperando “as ordens” do educador... e quando elas não vêm, descubro que SÓ EU posso LUTAR – CONQUISTAR, CONSTRUIR, meu ESPAÇO...

O educador pode possibilitar o rompimento da quietude, mas NÃO A AÇÃO DO CONSTRUIR, do conhecer. Essa, só o educando pode.

5. Vida de grupo dá muito medo

Porque através do outro constato que sou “dono” do meu saber (e do meu não saber). Sou dono de minha incompetência, e portanto, RESPONSÁVEL pela minha BUSCA-PROCURA de conhecer, de construir minha competência.

6. Vida de grupo dá desânimo

Porque em muitas situações nos confrontamos com o caos: acúmulo de temas, processos de adaptação, hipóteses heterogêneas.

Caos criador que nos demanda nova re-estruturação –organização. Procura da forma original própria e única adequada ao novo momento.

Vida de grupo (ah!... vida de grupo...)

7. Vida de grupo dá muito trabalho e muito prazer
Porque eu não construo nada sozinho; tropeço a cada instante com os limites do outro e os meus próprios, na construção da vida, do conhecimento, da nossa história.
 


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