[espacosaude-ma] Artigo em homenagem à vitória da ocupação da UFMA
--- Em jovensvigilantes@
<guerrilheiro_
AOS QUE VIERAM DEPOIS DE NÓS
Por Celso Lungaretti (*)
(carta aberta aos universitários que estão reerguendo o movimento
estudantil, livremente inspirada na poesia "Aos Que Virão Depois de
Nós", de Bertold Brecht)
Jovens companheiros,
recebam o abraço de um náufrago da utopia de 1968, quando os
melhores brasileiros, muitos deles tão novos como vocês, percorreram
esses mesmos caminhos de idealismo e esperança, sem conseguirem
levar a bom termo a jornada.
Eram tempos sem sol, em que só tinham testas sem rugas os
indiferentes e só se davam ao luxo de rir aqueles que ainda não
haviam recebido a terrível notícia.
Num país de tão gritante desigualdade social, eu e meus amigos
chegávamos a ser tidos como privilegiados. E, tanto quanto a vocês,
os reacionários empedernidos e os eternos conformistas nos
diziam: "Come e bebe! Fica feliz por teres o que tens!".
Da mesma forma que vocês agora, um dia percebemos que nada do que
fazíamos nos dava o direito de comer quando tínhamos fome. Por
acaso, estávamos sendo poupados ao preço de silenciarmos sobre
tanta injustiça.
E cada um de nós se perguntou: "Como é que eu posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro a quem tem fome? Se o copo de água
que eu bebo, faz falta a quem tem sede?".
Escolhemos o caminho árduo dos que têm espírito solidário e senso de
justiça.
Poderíamos, é claro, nos manter afastados dos problemas do mundo e
sem medo passarmos o tempo que se tem para viver na terra. Mas, não
conseguíamos agir assim. Viéramos para o convívio dos homens no
tempo da revolta e nos revoltamos ao lado deles.
Foi uma luta desigual e trágica. Muitos daqueles com quem contávamos
preferiram a "sabedoria" de seguir seu caminho sem violência, não
satisfazendo seus melhores anseios, mas esquecendo-os. E se tornaram
inacessíveis aos amigos que se encontravam necessitados.
No final, desesperados, trocávamos mais de refúgios do que de
sapatos, pois só havia injustiça e não havia mais revolta.
Os que sobrevivemos, ainda amargamos aincompreensã
puseram a falar sobre nossas fraquezas, sem pensarem nos tempos sem
sol de que tiveram a sorte de escapar.
E assim transcorreram anos e décadas. Só nos restava confiar em que
o ódio contra a vilania acabaria endurecendo novos rostos e que a
cólera contra a injustiça um dia ainda faria outras vozes ficarem
roucas.
A espera chegou ao fim. Saudamos esse movimento que vocês iniciaram
e estão sustentando contra todas as incompreensões e calúnias, como
o renascer da nossa utopia.
Nós, que tentamos e não conseguimos preparar o terreno para a
amizade, temos agora a certeza de que a luta prosseguirá. E a
esperança de que vocês vejam chegar o tempo em que o homem será,
para sempre, amigo do homem.
* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.
Fim da mensagem encaminhada ---
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