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sábado, dezembro 02, 2006

[espacosaude-ma] Gaia

Encaminho a seguir um artigo de autoria do James Lovelock, 
86 anos, o sistematizador da Teoria de Gaia, 
cientista de largo alcance e de grande influência na atualidade. 
Ele é um dos responsáveis pela compreensão científica da 
Terra como um grandioso sistema auto-organizador, 
um ser planetário vivo capaz de regular seu clima e sua composição química e, 
por conseguinte, manter condições favoráveis para a vida.
Embora haja dúvidas acerca do "sentimento" de Gaia, pois talvez 
não seja vingança o que se passa por sua sensibilidade planetária, 
esse artigo é, em minha modesta opinião, um marco referencial nos 
esforços de restauração planetária. 
Que o grito de amor à vida de Lovelock ressoe em nossos corações 
e deixemos a inércia e a atenção em futilidades para entoar um canto 
de redenção, mobilizados para o grande desafio biológico que temos pela frente.
Filipe Freitas
 
A VINGANÇA DE GAIA
JAMES LOVELOCK
 
ESPECIAL PARA O "INDEPENDENT" 
 
Imagine uma jovem policial que se sente totalmente realizada na sua vocação. 
Então, imagine-a tendo de dizer a uma família cujo filho estava 
desaparecido que ele foi encontrado morto, assassinado, num bosque vizinho. 
Ou pense num jovem médico que tem de lhe dizer que a sua biópsia 
revelou um tumor agressivo em metástase.
 
Médicos e policiais sabem que muitos aceitam a verdade simples e horrenda com dignidade, 
mas muitos tentam em  vão negá-la. Nós livramos os juízes da terrível 
responsabilidade de aplicar a pena de morte, mas ao menos eles tinham algum conforto em suas
 freqüentes justificativas morais. Médicos e policiais não têm como escapar de seu dever.
 
Este artigo é o mais difícil que eu já escrevi, e pelas mesmas razões. 
Minha teoria de Gaia diz que Terra se comporta como se estivesse viva,
 e qualquer coisa viva pode gozar de boa saúde ou adoecer. 
Gaia me tornou um médico planetário e eu levo minha profissão a sério. 
Agora, também devo trazer as más notícias.
 
Os centros de climatologia espalhados pelo mundo, 
que são os equivalentes aos laboratórios de patologia dos hospitais,
 têm relatado as condições físicas da Terra, 
e os climatologistas acham que ela está gravemente doente, 
prestes a passar a um estado de febre mórbida que pode durar até 100 mil anos. 
E eu preciso dizer a  vocês, como familiares da Terra e parte integrante dela, 
que vocês e a civilização em especial estão em grave perigo.
 
Nosso planeta tem se mantido saudável e apto à vida, assim como um animal, 
por mais de 3 bilhões de anos de sua existência. Foi má sorte que nós tivéssemos
 começado a poluí-lo numa época em que o Sol está quente demais. 
Nós causamos febre a Gaia e logo seu estado irá piorar para algo parecido com um coma.
 Ela já esteve assim antes e se recuperou, mas levou mais de 100 mil anos. 
Nós somos os  responsáveis e nós vamos sofrer as conseqüências: 
no decorrer deste século, a temperatura subirá 8ºC nas regiões temperadas e 5ºC nos trópicos.
 
Boa parte das terras tropicais se tornará caatinga e deserto, 
e não servirá mais para regulação do clima; isso se soma aos 40% da
 superfície terrestre que nós já devastamos para produzir nosso alimento.
 
Curiosamente, a poluição por aerossóis no hemisfério Norte reduz o aquecimento
 global ao refletir a radiação solar de volta ao espaço.  
Esse "apagamento global" é transitório e pode desaparecer em poucos dias
 junto com a fumaça que o carrega,  deixando-nos expostos ao calor da
 estufa global. Estamos num clima de loucos, resfriado acidentalmente pela
 fumaça, e antes do fim deste século bilhões de nós morreremos 
e os poucos casais férteis que sobreviverão estarão no Ártico,  
onde o clima continuará tolerável.
 
Tarefa impossível. Ao não perceber que a Terra regula seu clima e sua composição, 
nós cometemos a trapalhada de tentar fazê-lo nós mesmos, agindo como se estivéssemos
 no comando. Ao fazer isso, condenamos a nós mesmos ao pior estado
 de escravidão. Se escolhermos ser os guardiões da Terra, somos os responsáveis 
por manter a atmosfera, os oceanos e a superfície terrestre aptos para a vida. 
Uma tarefa que logo acharíamos impossível e algo que, antes de termos tratado 
Gaia tão mal, ela fazia para nós.
 
Para entender o quão impossível é a tarefa, pense sobre como você regularia 
a sua temperatura e a composição do seu próprio sangue.  
Quem tem problemas renais conhece a dificuldade diária inesgotável 
de ajustar sua ingestão de água, sal e proteínas. A  muleta tecnológica da diálise 
ajuda, mas não é substituto para rins saudáveis.
Meu novo livro, "A Vingança de Gaia", expande essas idéias, 
mas você  ainda pode perguntar por que a ciência demorou tanto
 para reconhecer a verdadeira natureza da Terra. Eu acho que é porque 
a visão de Darwin foi tão boa e tão clara que demorou até agora para que ela fosse digerida. 
 
No tempo dele, pouco se sabia sobre a química da atmosfera e dos oceanos, 
e teria havido pouca razão para que ele imaginasse que os organismos 
modificavam seu ambiente além de se adaptarem a  ele. Se fosse sabido à 
época que a vida e o ambiente estão tão conjugados, Darwin teria visto que 
a evolução não envolve apenas os organismos, mas toda a superfície  do planeta.
 
Nós então poderíamos ter enxergado a Terra como um sistema vivo, 
teríamos sabido que não podemos poluir o ar ou usar a pele da Terra_ 
seus oceanos e sistemas florestais_ como uma mera fonte de produtos para nos 
alimentar e mobiliar nossas casas. Teríamos sentido instintivamente que
 esses ecossistemas devem ser deixados intocados porque eles são parte da 
Terra viva.
 
 Então, o que fazer? Primeiro, precisamos ter em mente a velocidade  espantosa 
da mudança e nos dar conta do quão pouco tempo resta para agir. 
Então, cada comunidade e nação precisarão usar da melhor 
forma os recursos que tem para sustentar a civilização o máximo que puderem. 
A civilização usa energia intensamente, e não podemos desligá-la de 
forma abrupta; é preciso ter a segurança de um pouso motorizado.
 
Aqui, nas ilhas britânicas, nós estamos acostumados a pensar em toda a  humanidade 
e não apenas em nós; a mudança ambiental é global, mas precisamos lidar
 com as conseqüências dela aqui. Infelizmente nossa nação é
 tão urbanizada que se parece mais com uma grande cidade, e temos
 apenas uma área pequena de agricultura e florestas. 
 
Dependemos do mundo do comércio para o nosso sustento; e a mudança 
climática nos negará suprimentos constantes de comida e combustível do exterior.
 
Nós poderíamos produzir comida o bastante para nos alimentar na dieta
 da 2ª Guerra, mas a noção de que há terras sobrando para plantar 
biocombustíveis ou para abrigar usinas eólicas é ridícula. 
Nós faremos o possível para sobreviver, mas infelizmente eu não 
consigo ver os EUA ou as economias emergentes da China 
e da Índia voltando no tempo - e eles são as maiores fontes de emissões. 
O pior vai  acontecer, e os sobreviventes terão de se adaptar a um clima infernal.
 
Talvez o mais triste seja que Gaia perderá tanto quanto ou mais do que nós.
 Não só a vida selvagem e ecossistemas inteiros serão extintos, 
mas na civilização humana o planeta tem um recurso precioso. 
o somos meramente uma doença; somos, por meio da nossa inteligência e
 comunicação, o sistema nervoso do planeta. Através de nós,  
Gaia se viu do espaço, e começa a descobrir seu lugar no Universo.
 
Nós deveríamos ser o coração e a mente da Terra, não sua moléstia. 
Então, sejamos corajosos e paremos de pensar somente nos direitos 
e necessidades da humanidade, e enxerguemos que nós  ferimos a Terra e precisamos 
fazer as pazes com Gaia. 
 
Precisamos fazer isso enquanto somos fortes o bastante para negociar, 
e não uma turba esfacelada liderada por senhores da guerra brutais. 
Acima de tudo, precisamos lembrar que somos parte dela,  
e que ela é de fato nosso lar.
 
Artigo originalmente reproduzido na Folha de São Paulo, 22/01/2006.
 
--------------------------------------------
 
Pedro Bastos, estudante de biologia, comenta: 
 
Texto bonito, mas não concordo com essa forma de divulgação 
dos problemas ambientais. Colocar o ser humano como sistema nervoso? 
Quer dizer que se nós deixássemos de existir o mundo iria definhar? 
Ou então a terra como um sistema vivo dando a impressão de que ela 
está em equilíbrio (ou até mesmo  estática) como se no passado não tivesse 
havido extinções em massa e especiação em massa e como se a terra 
e a vida nunca tivessem sobrevivido a isso. Ou mesmo essa metáfora do
 médico que dá uma notícia ruim como um câncer (mas esquece de dizer que 
ainda podemos fazer uma quimioterapia, que arrancará nossos cabelos, mas nos  
manterá vivos). 
 
E colocando a transformação de grandes áreas do mundo em caatinga 
como algo ruim, imprópria para a vida e isso sim me magoa e revolta. 
Coisa de quem nunca viu como a caatinga é bela e boa. 
Sou mais a favor de divulgações mais propositivas e que
 coloque o perigo real de extinções em massa como sendo exatamente o que é. 
Nós, como biólogos, temos que tomar partido nessas questões
(tanto ambiental como de divulgação).
Fomos responsáveis por muito preconceito e barbárie com
 divulgações descuidadas, por exemplo, o surgimento do pensamento da
 evolução social ou  da superioridade entre as raças e acho que divulgar
 o fim do mundo iminente é no mínimo descuido. 
 
Sendo a Teoria Gaia verdadeira, a terra só vai morrer quando for 
tragada pelo sol. Antes disso quem morre somos nós.
Pedro - UFC 
PS. Viram como Lovelock cita Índia e China, mas esquece o Brasil? 
Somos (ou erramos) um dos países em desenvolvimento mais
 avançados e com maior potencial.
Estamos deixando essa posição? Talvez. Mas me intriga o fato de sermos 
deixados de lado. Será que é só por causa desses países possuírem 
uma população absurda? Ou nossos problemas ambientais não são 
tão grandes?
 
 


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